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  • Rússia e Ucrânia: como a guerra acontece no ciberespaço

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    Ana Martins

    A ofensiva militar da Rússia contra a Ucrânia teve início no dia 24 de fevereiro. Há quase cinco meses, o ataque causou a morte de cinco mil civis, segundo a ONU, que alerta para a possibilidade de esse número ser bem maior, e a fuga de 16 milhões de ucranianos das cidades atacadas, sendo 5,7 milhões para fora do país. 

    Logo no início da guerra, junto da ofensiva bélica, a Rússia utilizou ciberarmas em sua estratégia de ataque, desestabilizando serviços bancários, de defesa e de segurança,  distraindo o foco do avanço do exército russo ao território ucraniano. 

    Os ataques cibernéticos foram relatados pelas agências de inteligência do Reino Unido, a National Cyber Security Center (NCSC) e dos Estados Unidos, a National Security Agency), aliados da Ucrânia, e outros ataques ao longo dos meses se sucederam, deixando o mundo em alerta diante do poder russo. 

    A guerra da Rússia coloca um holofote na possibilidade de uma ciberguerra, no entanto, a hostilidade no ambiente cibernético entre os países já acontece, com alguns episódios de ataques estratégicos e espionagem. 

    Vale entender o que se tem de informação, como a inteligência russa está organizada e armada, como se deu os ataques no início do ano, e como grupos hackers estão se envolvendo nessa guerra, dos dois lados da disputa. 

     

    O contexto da ciberguerra

    O primeiro ciberataque de grandes proporções a um país aconteceu em 2007, na Estônia. Quando o governo estoniano decidiu remover a estátua símbolo da vitória soviética sobre o nazismo de lugar, representantes russos se manifestaram contra a medida. 

    No mesmo dia que a estátua foi removida, os sites do governo estoniano sofreram ataques distribuídos de negação de serviços (DDoS, na sigla em inglês) e ficaram indisponíveis por horas. Como a Estônia já era um país digitalizado, com muitos dos serviços sendo feitos pela internet, a população sentiu os efeitos desses ataques. A ofensiva foi atribuída à Rússia, mas investigações mostraram que o governo russo não estava envolvido, e a origem dos ataques é desconhecida até hoje.

    Depois desses ataques, os países começaram a compreender as vulnerabilidades envolvidas num país absolutamente conectado e reforçaram suas defesas.  

    “O ambiente cibernético sempre foi hostil em todos os países, que mantêm suas estruturas de inteligência e de ataque, e um monitora o outro. Agora isso só ficou mais evidente”, analisa Carlos Cabral, pesquisador de cibersegurança.

    No contexto Rússia-Ucrânia, a Ucrânia é tida como um laboratório de testes dos hackers russos, para testar técnicas e ferramentas. Em 2015, com o BlackEnergy, 80 mil pessoas ficaram sem luz no oeste da Ucrânia, devido a ataques à rede elétrica. Um ano depois, foi a vez de parte de Kiev, capitão ucraniana ficar sem luz por uma hora. 

    E em 2017, foi a vez do maior ataque cibernético global, o NotPeya, em que um malware foi instalado na atualização de um software de contabilidade muito usado por empresas ucranianas. O ataque começou pela Ucrânia, e se espalhou rapidamente, atingindo 300 mil computadores em 150 países, resultando em prejuízo de US $10 bilhões. E mais uma vez, o ataque foi atribuído a hackers militares russos. 

    Os ataques russos 

    Alguns dias do início da invasão russa, um relatório do National Cyber Security Centre (NCSC), agência de inteligência do Reino Unido, em conjunto com agências de inteligência americanas e empresas, apontou a detecção de um malware que tinha como alvo roteadores da Watchguard, formando uma botnet modular avançada. O malware foi chamado de Cyclops Blink e foi considerado uma evolução do VPNFilter, revelado em 2018 pela Cisco

    Em março houve uma atualização do estudo sobre o malware, em que a Trend Micro detectou também a presença do vírus em roteadores da ASUS. A autoria do malware foi atribuída ao grupo hacker Sandworm, apoiado pelo Estado russo. 

    A análise demonstra um alto preparo do exército cibernético russo, tanto em desenvolvimento quanto em estratégia. 

    “A botnet mostra uma alta sofisticação de programação em baixo nível. E um nível de conhecimento de sistemas operacionais, no caso Linux, muito alto também. Sem falar na modularidade, a ideia do software que trabalha com plug ins, uma engenharia digna dos melhores programas do mundo, super modulares,  flexíveis, e adaptáveis para futuros ataques. São softwares muito bem feitos, que poderiam causar um alto impacto de ataques, tanto em variedade de vítimas quanto de dispositivos alvo”, explica Fernando Mercês, pesquisador de segurança da Trend Micro

     

    A organização hacker militar russa 

    Para entender a potência do armamento russo no ciberespaço, é importante também entender a organização dessa inteligência dentro do governo russo. Se você gosta de assistir filmes de guerra, ações de espionagem, e coisas do gênero, vai ver que isso é muito mais real do que pensa. 

    Como é de conhecimento geral, todo país tem uma unidade de inteligência. A origem das agências de inteligência russas foi no regime czarista com a polícia secreta chamada de Okhrana.

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    Dirigentes da Okhrana em 1905. Fonte: Wikipedia

    Durante a Segunda Guerra Mundial, ainda como União Soviética, surgiu o grupo paramilitar denominado Tcheka (ou Cheka), que depois deu origem à famosa KGB. Com o fim da URSS, surgiu o Serviço Federal de Segurança Russa (FSB), e dentro dele existe o GRU, um serviço de inteligência ligado ao Ministério da Defesa. 

    Dentro do GRU, existe um Centro de Tecnologias Especiais, o GTSST. Dentro desse grupo, existem algumas unidades cibernéticas, a mais conhecida delas é a Unidade 74455. E como ela é conhecida? Pelos ataques que realizaram pelo mundo. Mas a 74455 é mais conhecida pelo nome de Sandworm. Aliás, esse nome vem das referências ao livro de Sci-Fi Duna, encontradas em seu primeiro malware.

    “São grupos contratados com essa função de desenvolver ciberarmas, desde tentar destruir e parar completamente a infraestrutura crítica de países, como fizeram na Ucrânia, até o mais atual, de BotNet, as Redes de Robôs, e as Redes Zumbi”, explica Mercês.

    Vários oficiais do GRU já foram identificados pelas agências de inteligência norte-americanas, incluindo seis deles indicados em 2020.

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    Oficiais do GRU indiciados pelo Departamento de Justiça norte-americano. Fonte: DoJ.

    E vale lembrar que a Rússia não é uma potência isolada no universo cibernético. Junto com ela figuram velhos conhecidos como Estados Unidos, Coreia do Norte, China e Irã. Além de muitos outros países europeus que aprenderam a transitar nesse espaço depois de serem alvo de ataques. O que rege esse universo são questões políticas, onde a tecnologia é mais uma arma para atender os interesses das nações envolvidas.  

    Por outro lado, a guerra atual não conta só com a força das organizações russas. Grupos hackers têm se envolvido em ataques dos dois lados da disputa. No início da invasão russa, um dos principais grupos hackers especializado em ransomware, o Conti, publicou no Twitter total apoio às ações do governo russo, e ameaçou a atacar infraestrutura crítica de países que se opuserem a isso. A publicação gerou retaliação dentro do próprio grupo, que criou a conta @ContiLeaks e vazou informações sobre o funcionamento da organização. 

    Do lado oposto, o grupo Anonymous declarou apoio à Ucrânia, reivindicando ataques em DDoS contra o governo e instituições russas. Além de grupos ciberativistas de diferentes localidades que manifestaram apoio aos ucranianos, e outros que se posicionaram a favor da Rússia. 

    Ou seja, uma guerra que vai muito além da luta entre forças armadas e governos. No cenário cibernético hackers preparados se digladiam. E quem não entende muito do assunto, segue achando que parece assunto de ficção. “Essa perspectiva de ficção às vezes faz com que a interpretação de pessoas que estão tão lá no topo seja equivocada. Ou pra mais ou pra menos, acham que podem acontecer ataques cinematográficos, e exageram, ou acham que são ataques cinematográficos, e isso não acontece aqui. No meio do caminho é que está a solução”, finaliza Cabral. 


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