Existe uma conta aberta há algum tempo no mercado de TI que não fecha. O número de vagas disponíveis em tecnologia só cresce, e o número de profissionais qualificados disponíveis nem tanto.
A pandemia da Covid-19 acelerou as já crescentes contratações do setor, provocada pela rápida transformação digital vivenciada pelas empresas para adaptar os seus negócios. No levantamento feito da Associação Brasileira de Empresas de Tecnologia de Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais (Brasscom), em 2019, a previsão é que até 2024 seriam abertas 420 mil vagas. Hoje, o cenário para o mesmo período é de 797 mil vagas, ou seja, 159 mil vagas por ano.
Como preencher todas essas vagas? Uma rápida pesquisa no Google mostra o mar de oportunidades que a tecnologia traz, e o cenário parece preocupante, afinal, se agora já há uma dificuldade de contratar e reter talentos, como será o futuro?
Na visão da especialista em Inteligência e Informação da Brasscom, Helena Loiola, embora o retrato de novos profissionais formados por ano esteja longe de ser suficiente para preencher, com 53 mil novos formandos em TIC por ano no Brasil, há alternativas que podem ser viáveis, como trazer matérias eletivas de tecnologia para cursos de Engenharia, Matemática e Ciências.
“No longo prazo, há a estratégia de ajudar a articular um modelo parecido com o que acontece nos Estados Unidos, por exemplo, em que há uma formação em ciência e tecnologia, e por terem bases parecidas, é possível inocular matérias específicas de tecnologia como eletivas nesses cursos. Seria uma formalização do que já acontece na prática”, explica.
Com a medida, o número de profissionais habilitados para atuar no mercado saltaria de 53 mil para 237 mil. “Não vemos como uma questão alarmante. Há muitas iniciativas surgindo, muitas empresas financiando essa intenção, além é claro de ser necessário articular com o governo uma melhoria no ensino público, mas há caminhos para isso acontecer”, analisa.
O estudo surgiu em 2019 como forma de olhar o cenário educacional do Brasil no setor, mas com a alta demanda, passou a ser estruturado com esse olhar. Só para ter uma ideia do crescimento das contratações, o acumulado de 2019 foi de 43 mil vagas preenchidas, o que representava um crescimento de 20% na época. Somente de janeiro a setembro de 2021 este número saltou para 123 mil contratações, sobretudo nas áreas de TI in House, software e serviços.
Além da iniciativa de longo prazo, no curto, a entidade investe em cursos gratuitos de curta duração, e ainda promove feiras de empregabilidade reunindo empresas e jovens candidatos.
Diante do cenário de alta demanda por mão de obra qualificado, as crescentes vagas e necessidade de formação rápida de pessoas acaba sendo também uma oportunidade de promover mais inclusão e trazer mais diversidade para o setor. Para se ter uma ideia, fazendo o recorte pelo ensino superior, em formação em TIC as mulheres representam apenas 15% dos alunos em curso, sendo que em todo ensino superior, elas ocupam 58% das vagas. E desses 15%, somente 5% é formado por mulheres pretas ou pardas.
“O setor de TI traz, assim, um impulso capaz de mudar a realidade sócio econômica das pessoas, e de promover mais inclusão. A diversidade tem sido pauta constante das empresa”, analisa Helena.
Diversidade e inclusão de impacto
Essa alta demanda por mão de obra qualificada acontece em contraste com o índice de desemprego, que se se mantém alto no País. Tendo encerrado 2021 em 11,6% e a previsão é que se mantenha em 11,2% em 2022, de acordo com a consultoria iDados. Além disso, o número de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza também cresceu de 2019, quando estimava-se que 23 milhões de brasileiros viviam abaixo dessa condição, para cá, onde 28 milhões de pessoas vivem nessa situação, de acordo com dados da FGV Social.
Olhando essa necessidade de promover também um impacto social positivo, muitas iniciativas têm surgido nessa direção, visando trazer uma oportunidade de formação e inclusão. O Mente Binária iniciou este ano o curso Do Zero ao Um, iniciativa voltada a formar pessoas pretas para o mercado de trabalho, nesta primeira turma, foram selecionadas 40 pessoas, e em breve deve ser lançada a segunda turma do curso.
Atuando nesse seara desde 2016, a {reprograma} é outro case relevante pro mercado. Com a proposta clara de ser uma iniciativa de impacto social, a instituição foi criada com o objetivo de formar mulheres em situação de vulnerabilidade.
“Quando a gente fala de mulheres nessa situação, há um recorte que a pandemia escancarou, que são em sua maioria mulheres pretas e pardas, mulheres trans, travestis. A gente sabe do número de violência contra essas duas populações, então, nem é só um lugar de ocupação de lugares de educação, de trabalho. Se a gente faz um olhar mais crítico, estamos falando de quase que um esvaziamento de um lugar de cidadãs”, aponta Bárbara Santiago, coordenadora de operações e ex-aluna da {reprograma}.
Alunas do {reprograma}, iniciativa de impacto social que forma mulheres em situação de vulnerabilidade para o mercado de tecnologia
A ONG existe desde e 2016, e já formou 850 mulheres para o mercado de tecnologia, tendo um índice de 68% de empregabilidade. Aliás, fazer a ponte com as empresas é também parte do projeto. Tanto que no meio do ano passado elas lançaram uma plataforma digital dentro do site da reprograma para conectar empresas e candidatas.
A proposta da {reprograma} é ajudar as alunas a terem a dimensão do poder de transformação prática por meio da tecnologia. “Quanto mais diverso e inclusivo o setor de tecnologia, mas se pode pensar em tecnologia pra todos. Precisamos quebrar esse paradigma de quem faz tecnologia é o cara nerd. Histórias diferentes, vidas diferentes, perfis diferentes, diferentes gêneros são importantes em qualquer cenário”, analisa Bárbara.
Mais do que dar formação, ao longo dos anos, as executivas da ONG precisaram entender o cenário e condições que essas mulheres vivem, para poder, assim, ajustar as demandas. “Uma pessoa em situação de vulnerabilidade tem muitos por quês de ela não estar estudando. E fomos entendendo esses por quês e trazendo condições de estudo e estrutura para que elas consigam estudar”. E isso vai desde o acompanhamento das alunas em aula, e conversas, até apoio psicológico e social, passando por fornecimento de equipamento, e estrutura de internet. “Nossa ideia não é formar pessoas em tecnologia, mas sim, ajudar essa pessoa a se emancipar, a ter autonomia, e um pensamento crítico de que ela pode sim fazer parte disso. Que elas acreditem que a tecnologia é pra elas também”, afirma.
A {reprograma} também tem dois programas para formar adolescentes, o regrograma teens, que ensina programação básica e introdutória para meninas de 14 a 18 anos, e já foram formadas quatro turmas de 30 alunas. E o Conectadas, em parceria com o Mercado Livre, que formou 200 jovens. “O que a gente pode ensinar para essas meninas que estão em fase de conhecimento de vida, que é importante elas aprenderem e se empoderarem pra vida”, finaliza a coordenadora.
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