Uma boa história merece ser bem contada. Eis o meu desafio nessa reportagem que escrevo para vocês. A pauta: contar sobre o resultado da parceria da Zup com o projeto Do Zero Ao Um, do Mente Binária, que resultou no emprego de cinco alunos formados pelo projeto, cujo objetivo é formar pessoas pretas em situação de vulnerabilidade social para o mercado de tecnologia.
Pronto, o lead está dado. Se não está familiarizado com a linguagem jornalística, lead é abertura de uma reportagem que responde perguntas básicas: o quê, quem, quando, onde, por que. Mas só relatar as informações não faz jus à tamanha dimensão que o projeto tem diante do quanto ele foi transformador para todos os envolvidos. Como disse Bell Hooks, professora e escritora preta que escreveu sobre racismo e feminismo ao longo de sua carreira: “o amor é uma ação, nunca simplesmente um sentimento”.
E o projeto foi isso, amor em ação. Em um momento onde o mundo parece estar à beira do abismo, amar é revolucionário. E é sobre isso que vamos falar. Então, pega o seu café, se acomode, e compartilhe dessa sensação. Todos merecem.
Do Zero Ao Um: A Origem
Do Zero ao Um é um projeto de educação da Mente Binária. Ele foi criado com a intenção de ajudar a resolver três grandes desafios da atualidade. Primeiro, o crescente número de pessoas em situação de vulnerabilidade social. Segundo, a necessidade de reparação histórica que nossa sociedade e todo o mundo tem com a população preta, que não coincidentemente é a maior parte das pessoas que se encontra em situação de vulnerabilidade social. E por fim, um problema que acaba sendo um caminho de solução é o gap gigantesco de profissionais de tecnologia no mercado.
O projeto teve início em agosto do ano passado, e recebeu, em sua turma piloto, 18 alunos, que tiveram aulas durante seis meses, de segunda a sexta à noite, e palestras aos sábados. Os professores foram profissionais do mercado que se voluntariaram para o projeto.
E diante de um grande desafio que é aprender programação, os alunos contaram com um grupo de mentores para ajudá-los durante sua trajetória.
Mas quem realizou isso tudo? E por quê?
Vocês que estão acostumados a ler no portal Mente Binária, ou ver os vídeos no YouTube, ou fazer os cursos, já devem estar familiarizados com o Fernando Mercês, certo? O Mercês é um profissional de tecnologia experiente, que sempre está aberto a compartilhar do que conhece, e foi a partir dessa proposta, que junto com amigos, ele criou o um blog chamado Mente Binária, o canal Papo Binário no YouTube, e depois o portal Mente Binária.
OK, até aí colaborar e trocar informações é o cotidiano de quem trabalha nesse setor. Só que o Mercês é um cara que tem como norte na sua vida ajudar as pessoas. Ele conhece bem a realidade de lugares menos favorecidos, por já ter estado nesse lugar, e a forma que ele faz isso é realizando coisas, vendo onde e como pode ser mais útil.
Como semelhante atrai semelhante, ele foi encontrando em seu caminho pessoas tão realizadoras quanto, e que se juntaram nesse projeto do Mente Binária com ele, desde o início, como o Paulo Aruzzo, amigo de infância, e editor de audiovisual do projeto, e Gabrielle Pereira, a administradora e operacional do projeto. Nessa trajetória, ele também conheceu a Gabi Vicari, parceira de vida, e tão realizadora quanto ele.
Um dia, conversando com um casal de amigos que estuda muito sobre o racismo no Brasil e no mundo, e também se engajaram na mudança desse cenário, o Mercês e a Gabi se inquietaram com isso, e assim criaram o projeto Do Zero Ao Um.
Um projeto estruturado por eles, mas que contou com um grupo de amigos, de profissionais do mercado, que foram se integrando ao projeto, entre eles o Ivan Salles, executivo de TI que se engajou no projeto e atuou na busca de parcerias. “Participar do projeto Do Zero ao Um me mostrou na prática uma certeza que eu já tinha: que oportunidade e amor transformam vidas. Se eu pudesse apontar onde acertamos, eu diria que foi em completar todo o ciclo (do recrutamento dos alunos ao engajamento deles no mercado de trabalho, passando é claro pelos professores, mentores e toda a dedicação do time do Mente Binária) com muito intensidade e afeto. Tocar vidas com o conhecimento é um sonho. Juntar isso à nobre missão de ajudar a reduzir desigualdades históricas, não tem preço!”, compartilha o executivo.
A natureza engajadora do projeto vem do compartilhar de um propósito, de querer ver acontecer, dar certo, de ajudar. E quanto mais gente junto, mais potência foi se agregando, e mais colaboração. Colaboração para achar soluções para os desafios, que foram muitos. Desde estruturar a grade curricular, dar aula, até conseguir equipamentos para alguns alunos, e parcerias para o projeto.
Os alunos
Para ingressar no projeto, os alunos passaram por uma seleção, e a primeira turma teve 39 alunos, dos quais 18 se formaram. A diferença se deu pelos desafios que apareceram no caminho. Pela dificuldade do tema ou por não se identificar com programação, e isso só pôde ser entendido ao longo do curso, ou por dificuldades de conseguir inserir o curso num cotidiano já tumultuado.
O curso teve duração de seis meses, somando mais de 300 horas de aula. Profissionais renomados no mercado atuaram como professores, contribuindo para a formação técnica dessas pessoas. O currículo do curso abrangeu também uma formação global do aluno, incluindo treinamentos em soft skills demandadas pelo mercado e aulas sobre o contexto histórico social, por exemplo.
Além disso, os alunos contaram com o acompanhamento de mentores ao longo dessa trajetória, que os ajudaram não só na compreensão dos assuntos técnicos, como também auxiliaram no apoio, encorajamento e até a transpor as barreiras pessoais limitantes para o avanço no treinamento. Ao todo, foram 20 profissionais entre executivos do mercado de TI e especialistas em comportamento que atuaram voluntariamente nesse papel.
Alunos, professores e mentores no dia da formatura. (Foto: Arquivo)
“O Do Zero Ao Um foi um grande laboratório, repleto de aprendizados. Primeiro, descobrimos quanto trabalho dá tocar um projeto social. Aprendemos também o que as pessoas querem, mas não se acham capazes. O maior desafio foi provar para elas que elas são, de fato, habilitadas para aprender e podem trabalhar com computação se assim quiserem e estudarem para tal”, afirma Fernando Mercês.
Os aprendizados foram muitos, para todos. No entanto, um comentário foi quase unânime no dia da formatura: a gratidão pelo processo, e o quanto se sentiram considerados, vistos e amados.
“Não sei a ideologia das pessoas, mas esse projeto é utópico, não tem disputa, a gente vive uma coisa muito linda nesse projeto, um sonho que se tornou realidade. Gostaria que o mundo fosse assim. E que nesse sentido a gente continue acreditando nele. Esse projeto acredita nas pessoas, e ensina que vale a pena acreditar nas pessoas e dar oportunidade”, disse João Victor Santos, formando da turma.
“Eu não consegui avançar com todo mundo, eu saí do zero. O propósito de vocês, a dedicação, o público-alvo é uma coisa que não dá para explicar, de acolher, entender, e ver que a capacidade independente de qualquer credencial que as pessoas tenham. Tudo o que aprendi, foi maravilhoso”, compartilhou Sandra, aluna do curso.
“Nessa caminhada de luta diária, vocês abraçaram, acolheram a gente, e pegaram a nossa causa, em momentos difíceis. E a caminhada mostra que é possível de acontecer. Tecnologia era um mundo muito diferente, e ele é muito rico em possibilidades. Numa sociedade que é massacrante para quem não tem um quê a mais, a gente tem que acreditar, e o projeto piloto que fomos nós deu certo, agora vai melhorar, e vocês vão ajudar muita gente, e melhorar o país”, pontuou Renata Venâncio.
O desafio da oportunidade de trabalho
Depois da jornada de formar os primeiros alunos, a galera do Do Zero Ao Um não sossegou, pois tinha uma meta muito clara: queria conseguir uma oportunidade de trabalho na área para os alunos formados, até para que empresas pudessem conhecer o potencial dos projetos.
A parceria necessária veio da Zup, empresa desenvolvedora de tecnologia Open Source pertencente ao Grupo Itaú, e que tem o objetivo de transformar o Brasil por meio da tecnologia.
A empresa já tem uma política de contratação de desenvolvedores, e ajuda no desenvolvimento deles. “A Zup Innovation é uma empresa com a missão de transformar o Brasil em um pólo de tecnologia, criamos tecnologia. E a gente aposta na diversidade, pois a gente não consegue tornar o País um pólo de tecnologia se não chegarmos onde a tecnologia não chega normalmente. E hoje a Zup tem programas de contratação, de formação, de pegar na mão do profissional e trazer pro mundo e desenvolver essa pessoa na Zup”, explica Gabriela Souza, Talent Aquisition da Zup. “A gente não contrata desenvolvedores júniors ou plenos, a gente forma essas pessoas aqui por meio dos nossos programas”.
No entanto, para absorver o pessoal formado pelo Do Zero Ao Um houve uma inovação. O VP da área de Engenharia e antigo CSO da Zup Innovation tomou conhecimento do projeto, e levou para o RH a ideia de contratar os formandos para a área de cibersegurança, pois o curso passava por essa área, de governança e segurança. A inovação estava no seguinte: por ser uma área de risco, as contratações dessa área sempre foram de profissionais experientes, e geralmente vindos do mercado, por requerer um nível de senioridade. Mas pela formação recebida no curso, o gestor pensou que seria uma oportunidade interessante de contribuir também com o desenvolvimento dessas pessoas. “Também seria uma oportunidade de trazer mais diversidade para essa área”, reforçou a recrutadora.
Depois de conhecerem o projeto e verem a proposta, a equipe da Zup se reuniu para então criar um novo programa de contratação desses profissionais recém-formados. "Geralmente nessa área os líderes olham muito as competências técnicas, e nesse projeto, com a nossa proposta de diversidade, eles flexibilizaram e olharam além do técnico”, explicou Isabela Franco, HR Partner da Zup.
Como estavam em processo de contratação para os programas, a galera da Zup acelerou, assim, a seleção dos profissionais. “Foi tudo muito rápido. Queríamos ter essas pessoas com a gente, então fizemos tudo para agilizar o processo”, complementa.
O próximo passo foi o fit cultural. A seleção da Zup é bem criteriosa para isso também. “É uma etapa em que a gente entende as competências e tenta linkar o máximo que der com a área, e com o time, e ainda avaliamos se eles querem isso como carreira, ou como oportunidade, e a gente busca entender se isso é bom pra vida das pessoas, se a gente vai impactar positivamente essas pessoas”, conta Carol Souza, talent partner na Zup.
Para receber os seis alunos selecionados, a equipe também desenvolveu um treinamento específico, juntando trilhas de soft skills dos programas já estabelecidos e desenvolveram outra trilha com foco em segurança. Além disso, prepararam todo um esquema para receberem os novos zuppers, oferecendo um processo de acompanhamento e adaptação inclusive no home office. “Pra gente essa é uma parceria de ganha-ganha. Pudemos trazer uma nova oportunidade de treinamento, e muito mais diversidade para a empresa. Dando certo, a gente pode estruturar esse programa”, finaliza Isabela. Os seis Zuppers iniciaram sua jornada na empresa no início de setembro.
“Mais do que todo o conteúdo técnico que ensinamos, o poder do Mente Binaria está em atrair parceiros alinhados com o propósito como a ZUP Innovation, que teve o cuidado de preparar seu programa de inclusão para receber nossos formandos, e que foi fundamental para completarmos o ciclo da inclusão com resultados efetivos na vida dos nossos alunos”, enfatiza Ivan Salles, responsável pela parceria.
Novos profissionais no mercado
A vida de quem abraçou essa oportunidade também foi transformada. Luiz Fernando Gomes, 41 anos, trabalhava como pintor residencial. Ficou sabendo do curso por um primo, que viu o anúncio na Uneafro.
“Sinceramente eu não tinha vontade de estudar programação porque eu era muito apaixonado pela pintura, eu gostava de transformar a casa das pessoas com minha obra de arte”, disse. Mas a vivência, as novas amizades e a didática dos professores fez com que a programação também ganhasse espaço no seu coração.
Já para Diógenes Ramos, 36, o curso surgiu como uma oportunidade, não só de conseguir um emprego - ele estava desempregado havia dois anos, mas também de possibilitar os cuidados com a mãe que vive acamada. “Um casal de amigos me indicou o curso, e por eu ter facilidade de jogar Magic The Gathering, um jogo de cartas que utiliza muita lógica, eles achavam que eu poderia gostar de programação, e tive”.
Para Cibele Bernardo, a possibilidade de conhecer o curso veio em um grupo de Whataspp. “Eu já estava querendo aprender programação e até fazer um bootcamp, mas não tinha base. O curso foi uma boa oportunidade”, revela.
Para João Carlos, 35 anos, de Angra dos Reis (RJ) também veio como oportunidade. Embora no começo da internet tenha feito alguns sites, nunca tinha visto na programação uma alternativa de carreira. Mas por saber que é uma área aquecida e bem remunerada, quando uma amiga lhe enviou o link do curso, ele resolveu tentar. Até então, ele havia trabalhado em comércio, construção e atuava na parte administrativa de uma pousada antes de ingressar no curso.
Repare como em todas as histórias as pessoas próximas foram fundamentais para que isso acontecesse. E foi no relacionamento com as pessoas do curso que também veio a segurança para seguir em frente.
“Foi uma experiência incrível, muito além do aprendizado técnico. Pudemos dentro de nossas individualidades, compreender diferenças, limitações e respeito. No começo foi desafiador, pela a falta de domínio de linguagem técnica, mas com todo acolhimento e paciência dos professores, foi possível adentrar neste novo mundo”, relata Cibele.
Para Diógenes, o apoio e a compreensão dos professores foi fundamental. “Foi uma experiência muito boa, inclusive fazendo eu despertar o gosto pela área e me fazendo quebrar crenças que me limitavam como achar que a idade para começar uma nova carreira e até mesmo quanto a questão de capacidade para absorver novos conhecimentos”.
A convivência com as pessoas também foi outro ponto celebrado. “Foi como uma faculdade de seis meses. E os professores além do conhecimento técnico, foram muito humanos, compreensivos”, enfatizou João Carlos.
João Carlos, em visita ao escritório da Zup (Foto Arquivo Pessoal)
A oportunidade na Zup Innovation já está sendo bem aproveitada. Todos já têm planos para o futuro, e para se aperfeiçoarem na carreira. A Cibele já planeja um MBA em Cibersegurança; o Diógenes se matriculou em um curso de Análise de Sistemas assim que concluiu o curso da Mente Binária, o Diógenes planeja também cursos específicos na área, mas também adquirir habilidades que o ajudem a ser um profissional mais versátil. E o João Carlos mira numa carreira internacional.
No fim, tudo é sobre relacionamento, sobre pessoas empoderando pessoas, sobre pessoas olhando para pessoas e compreendendo os contextos e se juntando com outras pessoas para criar oportunidades. E essas pessoas tão incríveis, também querem inspirar a vida de outras pessoas.
“No início, quando me interessei por tecnologia, me encantei e quis dominar o assunto por completo, mas conforme pesquisava sobre, descobri o grande leque de áreas dentro de TI, e entendi que não precisava dominar todas as linguagens, e sim a que eu me identificasse. Hoje sigo confiante com a minha escolha, e sei que posso contribuir para o futuro da tecnologia, pois entendi que ela se desenvolve através de conhecimentos compartilhados’, enfatiza Cibele.
E como sabiamente compartilhou o Luiz Fernando, “O saber não ocupa espaço. Se der uma chance para ele entrar, ele transforma, não importa a cor, religião, sexo, idade."
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