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  • Essa tal carreira em Y, existe mesmo?


    Aline Mayra

    Temos médias e boas notícias para você, profissional de ciber segurança que se contorce quando pensa que um dia talvez precise gerir pessoas para crescer na carreira! Perceba que não temos más notícias! Vem que vai ser bom!

    "Quem trabalha com segurança da informação tem que gostar de estudar!". Esse é o mantra do mercado de infosec, está na boca do mais junior ao mais sênior dos profissionais da área. A gente sabe que quem gosta tanto assim de estudar, vai acabar se tornando realmente fera naquilo. E quanto mais o tempo passa, mais estudo e mais proficiência. E quanto mais o tempo passa, mais maturidade nesse domínio e mais precioso - e caro - vai ficando o profissional. A profundidade do seu conhecimento vai se tornando rara entre os semelhantes e a sua importância na organização cresce.

    Essa trajetória que parece uma linha reta e feliz, que concilia aprendizado e valorização infinitos, encontra diversos desvios e muros pelo caminho. Olhando para o pessoal de infosec, talvez a maior muralha para eles seja a temida "hora de virar líder". Afinal, enquanto o senso comum diz que "quanto mais alto seu cargo de liderança, mais importante você será", essas pessoas querem investir em fazer melhor aquilo que já fazem, sem ter de priorizar competências de liderança, que não estão no alvo do seu desenvolvimento profissional.

    O que fazer com tantas horas-anos-noites-fins-de-semana de estudo na cabeça para se tornar um especialista, quando parte considerável do seu dia vai passar a ser consumido por um assunto completamente alheio ao seu universo de dedicação chamado: gestão de pessoas?

    Pra começar: o que é mesmo a carreira em Y?

    Apesar de termos nos acostumado a chamar de "Carreira em Y" a jornada profissional de quem escolhe o caminho da área técnica, a verdade é que, como a imagem da letra Y sugere, o termo indica uma bifurcação de possibilidades, como define o site da empresa de vagas Catho:

    "A carreira em Y é o plano de carreira moderno, que abre duas possibilidades de promoções ao colaborador conforme seu perfil profissional, sendo elas para a parte técnica ou a liderança. Esse modelo foi desenvolvido a partir da percepção de que muitos profissionais eram promovidos, porém não se adaptavam à nova função. Ou seja, aceitavam a promoção por vários outros motivos. Dessa forma, a carreira em Y prioriza o desempenho e a aptidão de cada um."

    Dito isso, podemos até continuar associando carreira Y com carreira técnica, no jargão popular, mas já sabemos a real definição sobre ela.

    Seja uma peça-chave na empresa

    A Viviane Sampaio, gerente de recrutamento para TI na Robert Half, traz as boas novas. Ela diz que é, sim, realista, um planejamento de evolução profissional que não leve para o caminho da gestão de pessoas, de negócios e de áreas. "O profissional de segurança pode virar um team leader ou tech lead e caminhar para se tornar uma referência técnica no time", observa.

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    Viviane Sampaio, da Robert Half: "Não se pode deixar o destino da carreira só na mão dos gestores. Se sentir que estagnou, é hora de conversar"

    Viviane vai além: "Se é um profissional que se atualiza e que se faz visto e que participa de decisões de inovação, tem ainda mais espaço para crescer", indica ela, ao confessar que vê especialistas com salários mais altos do que pessoas em cargos gerenciais, "principalmente na área de segurança", ela frisa, apontando como motivo a escassez de mão de obra que se vê no mercado hoje. 

    "Ele tem que se tornar uma peça-chave ali naquela empresa", aponta Viviane, que conversa todos os dias com candidatos e observa os pontos vulneráveis que podem afastar as boas oportunidades: "Muitas vezes a pessoa acha que não consegue crescer por não se tornar gestora, mas na verdade é falta de habilidade de comunicação, de relacionamento interpessoal, de sentir a dor do outro, de se aproximar de uma área para oferecer ajuda e, com esses movimentos, construir o reconhecimento da sua importância".

    É aí que entram as notícias "médias": Ainda que a carreira técnica tenha horizontes floridos, a pessoa não vai poder desviar das habilidades relacionais e de se conectar com outras áreas da firma para fazer tudo isso acontecer.

    Você: protagonista da sua carreira

    A Viviane puxa o papo para algo que pode passar despercebido mesmo sendo importante. Quando ela sugere que o profissional cuide das suas habilidades de comunicação, que tente perceber onde sua ajuda pode ser necessária, ela está chamando essa pessoa para se apresentar, para entrar, de fato, em cena, e mostrar seu valor, utilizando o que sabe em prol de quem precisa ali dentro.

    Soma-se a essas atitudes, a gestão da carreira em si: "Não se pode deixar o destino da carreira só na mão dos gestores. Pode chegar no gestor e falar das suas vontades. Assim como também deve buscar um mentor na empresa, colegas que você considere relevantes para sua carreira", encoraja ela.

    Na visão dela, também é super pertinente puxar uma conversa franca com o gestor, para saber se o caminho que você tem em mente existe naquela empresa. "Não fique só esperando que o gestor diga que você está pronta para ser promovida. Se sentir que estagnou, é hora de conversar. Seja protagonista da sua carreira", aconselha Viviane.

    Existe uma vida atrás daquele monitor

    A Roberta Robert, Lead Cyber Security Engineer na ADP, é convicta em sua inclinação para a liderança técnica, e gabarita as recomendações da Viviane.

    "Quando se fala em liderança técnica, é comum pensar numa pessoa isolada atrás de um monitor, quando, na verdade, pode ser uma das melhores mentorias que existem para os colegas. A gente cuida da carreira das pessoas que estão à nossa volta, mas sem fazer a parte burocrática. Eu consigo falar com a pessoa, acompanhar, passar as necessidades dela para o gestor, mas não tenho que gerir os projetos relacionados à parte de pessoas", conta ela, que há um ano e meio experimenta com gosto o papel de tech lead, unindo sua expertise técnica, com a esperteza de se contextualizar nos negócios da empresa.

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    Roberta Robert, da ADP: montou equipe técnica na qual atua como mentora, não lidera oficialmente e tem vagas abertas

    Na empresa atual, Roberta teve a oportunidade de montar o time junto a um gestor. Nesse formato, ela se dedicava a perseguir o modelo técnico de equipe que considerava certo e fazia isso acompanhada de uma pessoa dedicada à gestão de pessoas. "Temos hoje 5 profissionais e estamos com 2 vagas abertas!", avisa ela.

    Num papel em que ela concretiza a interface entre tecnologia e business, Roberta, de novo, mostra a vivência de todas as recomendações de Viviane, da Robert Half. Ela explica que os profissionais focados na estratégia de negócios sabem para onde ir, mas desconhecem os problemas que podem acontecer. "Aí as pessoas da área técnica é que vão conseguir pegar todas as preocupações da equipe e traduzir de forma objetiva para os decisores entenderem", conta ela, brincando: "A posição desse cargo, muitas vezes, é explicar pra área de business porque aquele jeito não vai dar certo".

    Hoje aos 32 anos, Roberta  já colhe frutos de uma relativa senioridade mesmo sem gerir pessoas oficialmente, conquistada à base de posicionamento pessoal, abertura para lidar com outros times e muita mentoria. Aliás, ela não só recomenda que se tenha alguém mais sênior com quem conversar, como também já começa a fazer esse papel na vida das pessoas com quem trabalha hoje.

    Perde-se um bom especialista e ganha-se um líder ruim?

    Mario Maffei, gerente da divisão de tecnologia da Michael Page, lembra essa máxima conhecida por quem acompanha profissionais técnicos de diversas áreas e que, ao ser lançado no mundo da gestão, se depara com um planeta tão diferente daquele que está acostumado e que tanto gosta.

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    Mario Maffei, da Michael Page: "Hoje, uma certificação tem até mais valor do que um diploma de faculdade"

    Ele reconhece a tendência crescente de profissionais optarem por se especializar em aspectos técnicos, em detrimento de cargos de liderança: "Tem muita gente super bem posicionada sendo técnica, com muitas certificações complexas, em inglês. Hoje, uma certificação tem até mais valor do que um diploma de faculdade, e demanda conhecimento prático", argumenta.

    Por outro lado, ele faz um alerta: "Às vezes, a pessoa se vê como especialista, mas ainda não é. A certificação tem valor, mas, acima dela, está a sua experiência no tema", alerta o especialista em carreira, ao reforçar a necessidade de sempre conectar sua expertise com o problema que a empresa/cliente precisa resolver.

    Ele finaliza com um lembrete que é uma boa dica: "As empresas estão sempre buscando profissionais que possam contribuir de forma significativa para o negócio, seja técnica ou estrategicamente".

    Printe essas dicas, se quer uma carreira de especialista sem liderados ⬇️

    • Seja protagonista da sua carreira e busque oportunidades de crescimento;
    • Fale inglês;
    • Entenda seu momento profissional e o modelo de trabalho que deseja;
    • Invista em inteligência emocional - você vai precisar dela para transitar bem com as pessoas em todas as áreas;
    • Invista em constante atualização e conhecimento técnico. Esse é o seu maior - mas não único - ativo;
    • Desenvolva habilidades de comunicação e conexão com o negócio da empresa;
    • Tenha visão de negócio para entender como seu trabalho técnico impacta a empresa;
    • Busque mentoria e networking com profissionais admirados.

    Q&A com especialista

    A seguir, um bate-papo com alguém que vive a carreira de especialista e pode compartilhar os caminhos, escolhas e insights com quem quer um norte para essa importante decisão de vida: Daiane Santos tem 28 anos, dos quais 10 em TI, dos quais 6 em segurança. Na sua estrada, já atuou como AppSec, Tech Lead e MobSec (sua principal área de estudo), em empresas como Nu Invest, Nubank e Picpay. Hoje, ela é especialista numa outra fintech.

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    Daiane Santos: Minha maior lição foi não ter medo, e seguir de qualquer forma, entendendo que se eu recebesse um não, eu teria que me preparar mais para um sim.

    Mente Binária: Fale um pouco de sua posição atual de trabalho.

    Daiane Santos: Eu estou começando em uma nova empresa, depois de 3 anos trabalhando em uma fintech. Meu trabalho une várias partes, desde a parte ofensiva, fazer pentest em APK, aplicações e SDKs, bibliotecas, engenharia reversa, até a parte defensiva, de criação de ferramentas e correções que são voltadas a possíveis vulnerabilidades e falhas.

    MB: Quando você percebeu que não queria desenvolver uma carreira que envolvesse a liderança de pessoas?

    Daiane: Eu sempre gostei muito de trabalhar em equipe, adquirir conhecimentos e também compartilhá-los. Durante um tempo da minha vida, gostaria de seguir um futuro como líder e aceitei uma vaga de tech lead. Esse período me mostrou que gosto mesmo é da mão na massa, de discutir soluções a baixo nível, tanto no meu time, tanto com outros, estar nesse dia a dia. Eu amo ajudar as pessoas, e nunca vou deixar isso de lado, mas quero fazê-lo ainda sendo especialista.

    MB: Como tem sido o caminho até aqui para consolidar sua carreira de especialista? Conte um pouco do plano que seguiu, considerando que outras profissionais podem ter esse caminho como inspiração. 

    Daiane: No início, eu tinha vários roadmaps, mas acabou que a vida foi seguindo seu rumo e as coisas acabaram mudando… Sempre estudei muito, e acho que isso me ajudou e me ajuda até hoje. Eu trabalhei com games por 4 anos até migrar para segurança. Por influência de um amigo muito importante fiz a migração e foi minha melhor escolha.

    Minha maior lição foi não ter medo, e seguir de qualquer forma, entendendo que se eu recebesse um não, eu teria que me preparar mais para um sim.

    Na minha primeira semana como engenheira de segurança jr, o manager de segurança saiu e fiquei sozinha. 
    Achei que isso atrasaria muito minha evolução, mas acabou me fazendo aprender muito mais rápido. Muitas vezes, as coisas saem do nosso controle, mas precisamos saber lidar bem com isso.

    MB: Já rejeitou cargos de liderança por não querer subir na carreira da forma tradicional?

    Daiane: Rejeitei alguns, inclusive em outros países, até aceitar uma oferta e entender que meu caminho era outro, como já imaginava.

    MB: Quais características comportamentais você acredita que têm facilitado para você chegar aonde quer em termos de carreira?

    Daiane: Acho difícil dizer. Vemos vários perfis diferentes em segurança, mas o que funciona para mim é resiliência e disciplina, e foi muito o que fiz desde o começo. Continuar na estrada e saber que um dia as coisas vão dar certo porque estou correndo atrás, mesmo cansada ou desanimada.
    Outro ponto são as soft skills. Sempre procurei fazer bastante networking, conversar e conhecer pessoas, e comecei a palestrar logo que vi que tinha um conhecimento interessante. Isso abre muitas portas, seja em eventos grandes ou pequenos. É importante se fazer presente.

    MB: Mesmo não liderando pessoas, como é a demanda de interação com outras áreas e pessoas dentro da empresa?

    Daiane: A demanda de interação sempre é bem grande, por isso também acho importante a questão das soft skills. Quanto maior o seu cargo, mais pessoas virão falar contigo, e você precisa estar pronta para negociar com elas, apresentar projetos, discutir sobre questões técnicas dentro e fora do time. 
    Quanto mais você sobe de nível, mais você se torna uma referência técnica ali dentro, então pessoas de vários contextos virão até você.

    MB: Que conselhos daria para alguém que quer desenvolver uma carreira de especialista, ou seja, que não quer se tornar um líder de pessoas?

    Daiane: Eu diria para quem quer trabalhar como especialista, ler o The Staff Engineer Path, justamente para ter certeza se é essa mesma carreira que querem atuar, assim como saber que, seguir uma carreira técnica é ter a certeza que você vai precisar estudar sempre. 
    Tendo essa certeza, é só continuar. Muitas vezes você vai precisar de jogo de cintura para lidar com problemas, conversar com a gestão e até para priorizar problemas. Ter calma também é preciso na gestão de problemas ou incidentes.

    MB: Em termos financeiros, concretizar uma carreira de especialista te fez ter de abrir mão de melhores salários ou não sentiu diferença nesse quesito?

    Daiane: Sim, já precisei abrir mão de um salário maior, mas isso sempre depende de cada empresa. Fintechs tendem a ter os salários mais balanceados e justos, mas não é uma regra. Eu tive um downgrade ao sair da liderança e voltar como especialista.

    MB: Quais os próximos passos que vislumbra para sua carreira?

    Daiane: Eu pretendo seguir e criar projetos pessoais em paralelo. A ideia é ir estudando cada vez mais, até bem futuramente conseguir ser Principal Engineer em algum lugar legal e desafiador para mim. E espero que tenhamos ainda mais crescimento na área de mobile.


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